domingo, 26 de outubro de 2014

DINHEIRO E PODER

Sempre que ouço um político de esquerda verberar em tom profético a cobiça capitalista,pegunto-me
 se ele imagina mesmo que o anseio de poder é uma paixão moralmente superior ao desejo de dinheiro, ou se simplesmente finge acreditar nisso para se fazer de santinho. Evidentemente, não há terceira alternativa. Nenhum militante esquerdista quer fazer uma revolução só para depois ir para casa viver  como obscuro cidadão comum da república socialista: cada um deles é, por definição, o virtual detentor de uma fatia de poder no Estado futuro. Essa é , entre os adeptos de um partido, a única diferença entre o militante  e o simples eleitor. Ao assumir a luta revolucionária, o mínimo que um sujeito espera é um cargo de comissário do povo. Afinal, não teria sentido que, após ter arcado com a responsabilidade de líder ativo  na destruição do capitalismo, desse menos de si à "construção do socialismo". ( O mesmo, é claro, aplica-se, mutatis mutandis, aos militantes do facismo ou de qualquer outra proposta  de mudança radical da sociedade. Enfatizo o socialismo pela simples razão de que no Brasil de hoje não há um movimento  de massas de inspiração facista.)
   Toda militância revolucionária é, pois, inseparável da ânsia de poder, e é  preciso um brutal descaramento ou uma inconsciência patológica para não perceber que essa paixão é infinitamente destrutiva que o desejo de riqueza. A riqueza, por mais que as abstrações dos financistas tentem relativizá-la, tem sempre um fundo de materialidade - casas, comida, roupas, utensílios - que faz dela uma coisa concreta, um bem visível que vale por si, independentemente da opulência ou miséria circundantes. Já o poder, como bem viu Nietzsche, não é nada se não é mais poder. Isto é a coisa mais óbvia do mundo: poer mais mediada que esteja pelas relações sociais, a riqueza é, em última instância, domínio sobre as coisas. O poder é domínio sobre os homens. Um rico não se torna pobre quando seus vizinhos também enriquecem, mas um poder que seja igualado por outros poderes se anula automaticamente.  A riqueza desenvolve-se por acréscimo de bens, ao passo que o poder, em essência, não aumenta pela ampliação de seus meios, e sim pela supressão dos meios de ação dos outros homens. Para instaurar um Estado policial não é preciso dar mais  armas à polícia; basta tirá-las dos cidadãos. O ditador não se torna ditador por se arrogar novos direitos, mas por suprimir velhos direitos do povo.
   Foi preciso que a inteligência humana descesse a um nível quase infra-natural para que uma filosofia - ou coisa assim - chegasse a inverter equação tão evidente, vendo na miséria o fundamento da riqueza e no poder político o instrumento criador da igualdade.
   O fenômeno mais característico do  do século XX, o totalitarismo, não foi um desvio ou acidante de percurso no caminho do sonho democrático:  foi a consequência inescapável de uma aposta suicida na superioridade moral do poder político e na sua missão social igualitária. O resultado dessa aposta está diante dos olhos de todos. A prometida igualdade econômica não veio, mas, em contrapartida, a diferença de meios de ação entre governados e governantes cresceu a um ponto que os mais ambiciosas tiranos da Antiguidade não ousaram  sequer sonhar. Júlio César, Átila ou Gêngis Khan recuariam horrorizados se alguém lhes oferecessem  os meios de escultar todas as conversas particulares ou de desarmar todos os homens adultos.  Hoje os governantes já estudam como programar geneticamente a conduta das gerações futuras. Não se contentam com o poder destrutivo dos demônios; querem o poder criados dos deuses. 
   É uma das mais atrozes perversidades da nossa época que o homem imbuído do simples desejo de enriquecer seja considerado um tipo  moralmente lesivo  e quase um criminoso, enquanto o aspirante ao poder político é visto como um belo exemplo de idealismo, bondade e amor  ao próximo. Um século que pensa assim clama aos céus para que lhes enviem um Stalin ou um Hitler.
Atenção: Este texto foi retirado integralmente do Livro: "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota", página 216, de autoria do filósofo, Olavo de Carvalho.
 

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